Mafuá de MalungoContos, crônicas e memórias de Elton Becker.
Leio com comoção e preocupação as notícias sobre aparelhos celulares explodindo. Em uma das situações, a jovem sofreu queimaduras de primeiro e segundo graus em Anápolis, Goiás, depois que o celular explodiu no bolso da calça. Me comove porque a moça em questão, após o incidente, se viu obrigada a fazer tantos procedimentos para estimular a regeneração da pele queimada com a explosão e evitar infecções.
Me preocupa também porque eu já dormi com o celular embaixo do travesseiro ou, no mínimo, próximo ao corpo. Imagine? Melhor não! E, para meu espanto, diz a Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel) que há uma média de 12 mortes por ano no Brasil em consequência da explosão de celulares.
Nem sabia que existia notável associação, contudo a Abracopel considera o número de acidentes pequeno, levando-se em conta a enorme quantidade de aparelhos no país: mais de 260 milhões de celulares. O número de aparelhos é maior que a população do Brasil, pouco mais de 212 milhões de pessoas, segundo estimativas de julho do ano passado.
A lógica esdrúxula da eminente Abracopel me lembra um tio meu perplexo (e insensível) com uma notícia na TV de que um tubarão havia “comido” uma pessoa na praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes. Em verdade, foram dois jovens atacados em que um deles sofreu amputação da perna direita e um outro perdeu parte do braço.
“Oxente, mas que exagero é esse?”, perguntava. E concluía seu raciocínio “a fortiori” (contém ironia), “todo dia o povo come peixe, agora o dia que peixe come um vira essa confusão? Não é pra tanto!”. Embora para mim fosse (e ainda é) fui contra-argumentar. Nesse dia, sofri na própria carne aquilo que os psicólogos de língua inglesa chamam de “backfire effect”, ou “tiro pela culatra” em bom português.
Backfire effect são aquelas situações em que você pode até estar certo, mas isso não tem a mínima importância para o outro. Afinal, há pessoas que só acreditam no que querem acreditar. E, além de que a nossa argumentação seja ineficaz, existe o risco do efeito oposto, o que faz com que a pessoa resista em sua posição inicial ainda mais fortemente.
Recordo que a nossa discussão terminou mais ou menos em torno da expressão: não me venha confundir com os fatos, já tenho opinião a respeito. Essa história me lembra outra, a de um homem presunçoso de que estava morto.
A família, em vão, o tenta convencer. Sem sucesso, o levam ao psiquiatra. Este opta por persuadir o homem de uma verdade incontornável: mortos não sangram. E, pelos meses seguintes, durante as sessões de análise, o psiquiatra se detém em demonstrar na medicina, na anatomia, na histologia, a sua tese, baseada em estudo minudente, mortos não sangram.
Neste percurso todo, o homem ainda acompanha autópsias, observa dissecação de cadáveres, trabalha de ajudante numa funerária, é voluntário no IML, faz tudo quanto é de análise meticulosa, rigorosa, até não mais, e basta. “Já percebi que os mortos não sangram”, diz o homem finalmente para gabo do psiquiatra, satisfeito com o resultado.
No entanto, para o grande final da psicoterapia, o psiquiatra pega a mão do paciente e lhe fura a ponta de um dedo com agulha. Depois de notar a gota de sangue que brota, o homem se vira para o médico e afirma com certeza: “Olha aí, doutor-sabe-tudo, os mortos sangram”.
Deste mesmo jeito, lá estava meu tio contente da vida com seu tubarão. E eu, idiota que sou, fiquei ensaiando queixas e lamentações, ruminando com a ironia de Miguel de Unamuno (1864-1936), quando dizia que há argumentos bons que são arruinados por algum idiota que sabe do que está falando – e acrescento – pra quem é surdo.
Todavia, volto ao caso dos celulares explodindo. Isso é algo que me preocupa bastante. Me preocupa porque o celular vai virando isso: uma parte do corpo da gente ou coisa sem a qual não se vive. Em uma crônica excelente, Ruy Castro comenta o caso de uma amiga que jamais se desgruda do celular, leva-o até o chuveiro e até já fez de um deles sabonete.
Ruy diz que a amiga já perdeu vários aparelhos. Nenhum explodiu, felizmente! O antônimo nesse caso, o infelizmente, fica por conta de que os celulares têm várias utilidades, menos a de ensaboar ninguém – ainda. Ah, e também me despertou a curiosidade, além dos comentários ciosos da Abracopel, para uma das recomendações de uma tal comunidade de eletricistas citadas por um grande veículo de comunicação nacional.
Se houver superaquecimento do celular, aconselha a comunidade, não coloque o aparelho na geladeira. Como leitor que presta atenção, notei que não disseram em qual compartimento da geladeira.. E é preciso explicar as coisas. Quem sabe até acrescentar que não se deve colocar o celular em outros eletrodomésticos. O forno de micro-ondas, por exemplo.
Conheço um caso verídico – e veraz – de um sujeito que deixou o celular cair no vaso sanitário e, em pânico, lascou o bicho no micro-ondas pra secar. Pasmem, é verdade. Meninos eu vi. E só não conto o depois porque tenho vergonha… o sujeito era eu! Celular é um perigo! Cabeça de homem é fraca, incidentes acontecem e são demais os perigos desta vida.
Por Elton Becker