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Atestados de óbitos não curam feridas abertas pela ditadura

O ato em si não passa de uma política de consolo e não representa nenhuma reparação histórica

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16/01/2025 14h23
Por: Redação

O governo federal agora, através da Comissão da Verdade, que apenas nominou, descreveu e provou a existência de torturas, está retificando os atestados de óbitos mentirosos dados aos familiares dos presos políticos mortos e desaparecidos nos porões da ditadura militar-civil-burguesa nos idos de 1964 até o final dos anos 80, quando cerca de 500 foram vítimas desse brutal regime de exceção.

Os parentes se sentem mais aliviados, mas o ato em si não passa de uma política de consolo e não representa nenhuma reparação histórica porque os torturadores e os generais mandantes do arbítrio (muitos já morreram, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra) não foram presos e punidos como aconteceu em vários países da América do Sul, como Uruguai, Argentina e Chile.

Portanto, mesmo com esses atestados, muitos dos quais sem a presença dos corpos para a realização de seus ritos funerários tradicionais, principalmente dos abatidos e esquartejados na Guerrilha do Araguaia nos anos 70, as feridas continuam abertas e não se fez a devida justiça contra os carniceiros para que uma ditadura nunca mais ocorra no Brasil. 

É uma pena que esta memória esteja praticamente perdida pelo negacionismo atual dos extremistas e pela falta de reparos que deveriam ter sido feitos lá atrás. As esquerdas têm muita culpa no cartório porque ficaram contemporizando, por covardia mesmo e porque entraram na onda de que o “revide” seria um revanchismo, o que não tem nada a ver. 

A anistia geral e irrestrita de 1979 foi uma enganação e empurrada goela abaixo dos brasileiros porque os bárbaros torturadores e aqueles que desapareceram com os corpos prensados em usinas de cana-de-açúcar e fábricas, bem como esquartejados e jogados pedaços de seus membros em alto mar e rios, deveriam ter sido punidos severamente no rigor da lei. 

No Brasil de agora estão mais uma vez querendo anistiar os nazifascistas de oito de janeiro de 2023 que pretenderam dar um golpe de Estado contra a democracia quando invadiram os três poderes para implantar mais uma ditadura no pais, sem contar os generais e os coronéis de pijama que planejaram derrubar o governo eleito pelo voto popular. Se isso ocorrer, é mais um absurdo histórico e uma brecha para a volta da dita cuja dos apoiadores de uma intervenção militar.

Não me venham com essa de que a outra parte também matou e assassinou agentes das forças armadas na luta armada. Mesmo com tendências comunistas ou não, todos ali estavam no combate pela liberdade e contra a tirania e, quando se tem esse propósito em mente, matar torna-se um direito passível de absolvição como inocente.   

Na Roma de Julius César ditador, que queria ser rex monarca, por volta de 49 a 44 a.C., Marcus Junius Brutus, em 54 a.C., de acordo com o historiador Barry Strauss, se pronunciou contra uma proposta de concessão de uma ditadura a Pompeu. “Dois anos mais tarde, ele argumentaria que um homem que cometesse um assassinato pelo bem da República deveria ser considerado inocente”.  

Não consigo entender um atestado de óbito sem a presença do corpo, caso específico do deputado Rubens Paiva relatado no filme “Ainda Estou Aqui”, mesmo especificando a causa mortis, e isto depois de mais de cinquenta anos de negação da verdade. 

Não sou cineasta, mas, em minha opinião, não achei correto na filmagem o momento de alegria da leitura do atestado pela atriz Fernanda Torres de maneira festiva. Fora o lado sentimental, nada a comemorar se a família verdadeira e real não fez o enterro do seu corpo.

O propósito não é aqui falar sobre o filme, mas como uma coisa está entrelaçada a outra, houve uma comemoração estrondosa pela atriz ter ganhado o Globo de Ouro pela sua atuação. Não que ela não seja merecedora, mas foi muito favorecida pela atual situação geopolítica, como uma resposta à direita extremista e fanática que está tomando conta do planeta. 

Por sua vez, infelizmente, como poucos neste Brasil de hoje não conhecem sobre a história da ditadura de 1964, a grande maioria festejou euforicamente o troféu inédito de uma brasileira, sem ter a menor consciência política da importância do seu papel no filme como esposa de Rubens Paiva, bem como do conteúdo da filmagem. 

As pessoas pularam apenas como se estivessem ganhando uma copa mundial de futebol, só por ter recebido essa homenagem inédita, como se fosse um desabafo do complexo de Vira Lata. O significado maior está na retratação do filme como mais uma prova de que a ditadura existiu e foi cruel.  

Muitos que assistiram não entenderam o elo histórico. Em minha concepção, outra falha no roteiro foi não ter mostrado cenas de tortura do personagem Rubens Paiva quando do seu sumiço após a prisão. Isto poderia ter dado mais força e visão do que foi a ditadura.  Na época dos anos 70 ele vivia com sua esposa Eunice e filhos num apartamento.

Por Jeremias Macário, jornalista

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