Multi(Versos)Fotos, paisagens, gentes e memórias escritas na poesia de Marco Jardim (@marcoajardim no Instagram)
Declaro terminantemente - e num claro instante que não há de passar enquanto alguém pousar os olhos d'água sobre tais afirmações - que seus direitos têm o mesmo valor, forma e dimensão que os meus.
Inalienáveis, portanto, ainda que não tão ardentes (ou tão publicados em papel).
Dito isso, confesso que meus dias ainda acordam ouvindo velhas canções de Caetano.
Não são mais como as canções de protesto, são fins de semana abaixo da superfície do mar, relativamente afogados, contidos, mas que não se fazem de desentendidos.
Tem sido dias de sol abrasador, com poucas nuvens, proclamados por algumas esvaziadas aspirações, mas ainda inspirados por presentes histórias, quase felizes, agridoces, histórias que alguns leem e outros reconhecem.
Manifesto, portanto, que é chegada a hora de me compelir contra qualquer convite ausente ou silenciado.
Vou-me reunir no átrio, fazer um movimento entre a porta da rua e o hall da escadaria, de mãos dadas com minha mãe - ela, sim, expressamente convidada e ela mesma abrindo portas e janelas, com gestual comedido, reações em elevado grau, defesas elegantes, num modo tão afável quanto firme e que, por ela, eu poderia amanhecer sem contestação.
No entanto, estarei lá, agrupado entre os meus, protegido por obras literárias, defendendo que merecemos uma casa no campo, uma canção no vento, um sol brando na cabeça, um espaço, um aceno à conquista e à partilha do pão.
Sinto, tanto quanto vejo, por amor às causas perdidas, que precisamos sair em paz, comprar flores, trocar miúdezas sobre a Gamela, sobre as paisagens e os poemas, colecionar lembranças, “sentificar” o manifesto poético, repousar o veleiro de nossas esperanças para, quem sabe, na próxima edição, no próximo cáustico verão, chegue por baixo da porta uma convocação oficial.
Confesso, agora com clareza, que desejamos visibilidade e uma conversa inteira, com todas as suas partes, toques, braços, apertos de mão de cada um de nós mesmos, os não-lidos, os não-reconhecidos, os não-agendados.
Não sou mais tão forte (nem tão incensado de sândalo) quanto nos tempos do desbunde, mas minha voz e a palma de minhas mãos e os dedos em riste ainda pertencem, todos eles, ao anseio de alma de que um novo arranjo encantador afirme um pouco mais essa nossa vida de escritor.
Queremos pertencer, agitar o rumo do coração com a força devida.
Queremos cenas literárias (e de cinema, canções, lenços e documentos), o ir e vir sem pedir licença, o meio do tudo ou só um banho de alma de rio desnudado (por hora, soterrado).
Que seja, pois, banho de mar invadindo o sertão, ou do direito de, então, conquistar este mar.
Anuncio, no raiar do dia, que nós, feitores invisíveis das letras, devemos agir cônscios, agregados e festivos nesta carta com remetente.
Poderíamos ser desordem, confusão, vozeria ou estupor, mas o melhor mesmo é que façamos amor, não rumores de guerrilha.
Afirmo, pois, sem política e com opinião, que temos um sonho.
O anseio de um lugar consciencial onde exista tempo e gente pra ler o nosso escrever do dia que vai nascer.
Um frescor em meio à solidão da luz baixa da escrivaninha.
Um hoje, nem por bem ou mal, superior ou inferior…um hoje com a liberdade de expressar, de receber e doar, de seguir com os dias ensolarados sob a sombra de um ipê, mas com convite ao sopro deste testemunho.
Ou - não pela metade - a um sorvete de coco com tangerina.
É a declaração manifesta dos direitos meus e seus, escritos e pronunciados sob rara brisa numa varanda sem piscina.
(Marco Jardim)