tve baiano
Chiadinho

Entre o ruído de um doer e outro

A gente implora pra ela gritar mais baixo

24/01/2023 20h14
Por: Redação

Às vezes é uma dor que parece um chiadinho, que de tanto chiar ali baixinho, a gente até acha que vai se acostumar. Às vezes é uma dor que esbraveja bem alto, apontando a injustiça do tempo roubado, enumerando enraivecida a dívida de tudo o que lhe foi tirado. Uma dor que buzina impaciente quando não há mais sinalização de sentido ou direção, engarrafada entre as milhares de ausências que sobraram da vida por viver. Às vezes parece que a dor vai acordar todo o bairro, e a gente implora pra ela gritar mais baixo, pra não incomodar a tranquilidade de quem vive sua paz. Uma dor que fala, fala, fala, e as respostas nunca traz. Às vezes a dor se faz de velha amiga que pede o aconchego da companhia pra dormir. Ela chega quando a gente fecha os olhos, confidenciando segredos esbaforidos, e a gente coloca o protetor de ouvido na tentativa de não escutá-la. Mas como se abafa um ruído quando ele vem de dentro? Às vezes a gente até pensa que já sabe todas as histórias que a dor vem contar, e então ela aparece com um doer novo. Às vezes a dor tem a melodia de uma marchinha carnavalesca triste, entoada por entre confetes cinzas, enquanto a gente assiste sempre ao mesmo cortejo de tantos nunca mais. Nunca mais o carnaval será o mesmo – a dor costuma cantar. Às vezes a dor parece adormecer, mas então basta esbarrar em qualquer pedaço de presença que ela desperta sonâmbula pra lacerar de novo. Parece faltar realmente uma parte do nosso corpo. É quando a gente passa a enxergar a dor pelo canto do olho, sussurrando por entre objetos, e a virar pro lado oposto na tentativa de se esquivar. Mas, se tem algo que a gente aprende sobre a dor, é que ela sempre conhece o caminho de nos fazer tropeçar. E a gente se espatifa no chão e se parte em mais tantos cacos, em um novo estardalhaço. A gente nem imaginava que era possível caber em tantos pedaços. É quando a dor dói comprimindo o que ainda resta de peito, e a gente tenta escapar por entre soluços, até ela descer pro abdômen e fazer doer cada músculo. Falta ar, e a dor murmura que essa é a menor das faltas. Todos os dias a dor faz barulho – às vezes só um chiadinho, às vezes um som ensurdecedor. Mas dizem que, de tanto a dor falar com a gente, uma hora sua voz vai se confundir com o som ambiente. Entre o ruído de um doer e outro, é essa verdade que a gente tenta escutar.

???? Esta caneca foi o primeiro presente que você me deu, e lembro como hoje que te perguntei o porquê desta frase. O porquê de, dentre centenas de trechos, de dezenas de textos, você escolher este aqui. “Acho que é uma das suas frases mais bonitas.” Lembro de ter achado a escolha um pouco inusitada, e somente hoje veio fazer sentido. Quando escrevi estas palavras – agora sei – eu somente havia ouvido falar em dor. Hoje a dor fala comigo todos os dias. São 60 dias sem você. Às vezes a dor faz parecer que já tem uma eternidade. Às vezes a dor faz parecer que foi ontem. Não sei em qual delas dói mais. Sei que a dor da tua falta sempre será o meu som ambiente. Te escuto porque te amo, bê. Te escrevo porque, entre o ruído de um doer e outro, é o que me restou.

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