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Na música “A Mulher do Fim do Mundo”, gravada em 2015, Elza Soares gritava com a voz rouca o verso “Me deixe cantar até o fim”. O pedido foi atendido. Dois dias antes de morrer, a cantora gravava seu DVD no Teatro Municipal, em São Paulo, relembrando grandes sucessos de sua carreira. Nesse dia e nos demais dos últimos anos de sua vida, Elza teve ao seu lado um braço direito: a neta Vanessa Soares.
Foi Vanessa que, inclusive, corrigiu este repórter: “Não é um ano sem Elza. Elza está viva”. Foi do quarto da avó que ela conversou com Marie Claire sobre esse período longe de quem ela chama ora de “Deusa” ora de “Elzão” e, às vezes, de “avó”. O cômodo está mantido do mesmo jeito desde que, de lá, Elza perdeu os sinais vitais gradualmente, em 20 de janeiro de 2021, aos 91 anos.
“No dia, eu senti ela mais fraquinha, mas achei que fosse cansaço por conta do trabalho. Ela, no entanto, me disse: ‘Acho que estou morrendo’. Eu corri para chamar a ambulância, ela ficou acordada, me olhando: ‘Eles já estão vindo me buscar’”, relembrou. Quando a ambulância chegou, Elza já não tinha mais sinais vitais. Era o silêncio da “voz do milênio”, reconhecimento que a cantora recebeu em 1999, em uma votação da rádio britânica BBC.
A retomada ao trabalho após o luto se deu quando Vanessa percebeu que, além da proximidade da data em que Elza celebraria 70 anos de carreira, a cantora havia deixado material inesgotável para a posteridade. “Tinha documentário, DVD, discos, filmes. E aí me veio na cabeça: Elza está viva. A minha avó está viva. O legado dela eu não posso deixar morrer. É a minha missão.”
Elza 70
Vanessa se debruçou na memória deixada pela avó para seguir alimentando o seu amor por Elza –e também o da multidão de fãs. Em inventário, ela é herdeira das roupas, dos móveis e de todo o acervo da artista. Coisas nas quais ela disse que ainda não teve coragem de mexer.
“O perfume ainda está no banheiro. Para matar a saudade, eu cheiro as roupas. Sinto falta disso… Do cheiro, do toque da minha avó”, lembrou. No futuro, o acervo da cantora deve ser instalado em um memorial.
Com o projeto “Elza 70”, ela e o empresário de Elza, Pedro Loureiro, projetam uma série de eventos que visam manter viva a memória da estrela da MPB durante este ano, quando ela completaria sete décadas de carreira. Entre as produções está um disco de músicas inéditas deixadas por Elza, que deve ser lançado em 23 de junho, quando ela faria 93 anos.
Vanessa adiantou ainda que o show “Tributo a Elza”, protagonizado por Larissa Luz e Caio Prado e lançado durante a última edição do Rock in Rio, seguirá para São Paulo. O “Elza 70” ainda inclui um documentário e um filme sobre a cantora, bem como o lançamento do DVD gravado no Teatro Municipal em São Paulo, em uma plataforma de streaming.
Orgulhosa, a produtora contou que após a morte da avó, os números de ouvintes mensais da cantora nas plataformas de streaming continuaram alcançando grandes patamares.
“Batemos agora no streaming mais de 1,3 milhão de ouvintes mensais. O último lançamento dela foi em julho e bateu 1 milhão, agora 1,3 milhão. Então, como você pode me dizer que uma pessoa dessa morreu?”, questionou.
Questionada de onde vem a força para seguir com todos os projetos deixados pela avó, Vanessa conclui: “Eu sou uma mulher de Elza. Não me deixo abater”.
Dura na queda
Em 2006, Chico Buarque escreveu a música “Dura na Queda” e dedicou à amiga Elza Soares. Nos versos, o compositor fala sobre alguém que se reinventa, que é resiliente, que “perdeu a saia, perdeu o emprego, desfila natural”. Durante a carreira, Elza foi vítima do machismo, racismo e do conservadorismo de uma sociedade atrasada, mas “dura na queda”, a cantora se reinventou quantas vezes foi necessário.
Elza morreu no auge, como deveria ser, dialogando com as novas gerações e conquistando protagonismo na luta a favor dos direitos das mulheres, dos negros e da população LGBTQIAP+.
Com lágrimas, Vanessa lembrou que a data de hoje, 20 de janeiro, é difícil para a família. Em 20 de janeiro de 1983 morreu Mané Garrincha, o grande amor da Elza e, em 2001, na mesma data, morreu Paulo Fonseca, pianista e genro da cantora, o pai de Vanessa. Também foi em janeiro, mas no dia 11, que Elza perdeu o filho, Juninho, aos 9 anos, fruto do relacionamento dela com Mané, em um acidente de carro.
Ela conta que, após a morte, ficou em choque. Sentiu falta da companhia, das conversas e do cuidado diário que mantinha com a cantora. “No início vem aquela falta, né? A falta de você olhar e falar: ‘Gente, cadê ela? Cadê? Onde está?’. Nós tínhamos uma relação muito intensa”, contou.
“Eu fui a primeira neta. Minha vó comprou uma Mercedes Benz para me buscar na maternidade com o Mané. Ela andava com um cesto de vime comigo para tudo quanto é lado. Era a maior briga dela com a minha mãe, porque ela dizia que eu era filha, não era neta”, relatou, confessando, em seguida, que sempre preferiu ser neta. Segundo ela, “avó ama em dobro”.