Multi(Versos)Fotos, paisagens, gentes e memórias escritas na poesia de Marco Jardim (@marcoajardim no Instagram)
Definitivamente, apreciei conhecer Nikita.
Simples, não simplificado.
Sábio, algo político, por vezes desconfiado.
Falava de amor, de gentes, de alguma fé pelo tempo e pelo espaço.
Um tanto quanto diferente de Vitalii.
Este gostava mesmo dos livres, dos loucos apontados e das pessoas mal-parecidas.
Dizia que nada permaneceria no estado das coisas como está.
Tudo há mesmo de se transformar, talvez se extraviar, depois deste todo invadido.
Fé. Artigo que insiste nos desaparecidos.
Tarefa para a sirene das longas horas, suas liturgias, seus abrigos.
Tania concordaria.
E lá se ia acima do dia.
Sobre a mesa, garrafas de vinho, vazias.
E ela dizia de novo o já dito: "quero ver gente, gente, gente..."
Eu, por vez, só queria de novo te encontrar contente.
Pelo tempo que durar, deixar uma ou duas vidas mais transcorrer.
Quero tanto permanecer, e localizar Dmytro.
Sempre sentia quando alguém o interessava.
Ele gostava das pessoas que se sabiam.
Aparentemente desesperançado, estimava os incompletos.
Ou daqueles, de poesia, repletos.
Continuamente ele fabulava o nome de outro alguém que foi.
Por vezes Sapylo, noutras Martynenko.
Doeu vê-lo partir numa manhã cinza, de sombras abismais.
Será mesmo que podemos ser felizes ou iguais?
Escorro nos ombros de velhos amigos, cansado de dias assim.
Segrego minhas feridas de explosões, remonto os fatos inexplicados.
Todos, tão cedo, à sombra, imóveis, pareciam desfigurados, despojados na vala comum.
Talvez fosse o desligamento, talvez a plenitude.
Oh, Vasyl. Rapaz feito de rio de água inundada.
Braço tatuado, peito nu desabotoado às portas da usina.
Um despenhadeiro de amor, meu olhar te espiou.
Desde que o vi, amiúde, desejei calor e beijo.
E, até o último suspiro, Aleksandra quem tentava me tirar do transe: "corre, corre, corre!".
Dos olhos fitados, embevecidos ao mundo, agora o choque.
Tais olhos finados, agora marejados. "Corre!"
Por que?
Esta pergunta se move de dentro pra fora, rugida de dor.
"Somos quem somos, ora essa", descomplicava Pierre.
Não ouvia, ao longe, os ecos de espanto, de estupor.
Eu de cá, em clamor aflitivo, e ele ali, fotografando o protesto.
Ah, Pierre, quanta recordação.
De você, de Brent, Juan e dos outros artistas, jornalistas, idealistas.
Misturando-se uns nos outros com seus coletes de desproteção.
Que vontade de morder o registro da alma como faziam.
Talvez, assim, não mais os tiros, os gritos, os ais da rua vazia, num silêncio ensurdecedor.
Por hora, a vocês minha atenção se voltou.
E para o suave Benjamin.
Curioso como a vida toda ele dizia estar bem.
Amou a vida, inteira.
Trocaria a existência só para não vê-lo cair em mil pedaços no assoalho da sala de estar.
Esta é a cruel meia verdade dos estilhaços de guerra.
Por você, Ben, uma reza.
Por Kurshynova, Zakrzewsk e filhas.
Por todos os outros que não faço voltar à memória por medo de resignar o inconcebível.
Se eu recordar agora, talvez tenha de admitir que eu poderia, também, esquecer-me de mim.
Então, só despeço, desencorajado.
O desamor fechou olhos e os perdeu de vista, os refugiados do fim.
Entre velas e lentes, mundo de gentes, um último aceno de Vira Hyrych na despedida de Kiev, esta demolida cidade.
Até, Kiev.
Saudade.